LILIAN ZAREMBA | EVASÃO

Texto da artista

...cette langue sera de l´âme pour l ' âme, résumant tout
parfums, sons, couleurs...
(Rimbaud, carta a Valery, maio,1871)

Um sinal é gerado por um processo: liga-se o rádio.
Ação realizada com sucesso, sinal aceito, sinal entregue.
Um evento cotidiano aparentemente sem importância... mas e se não houver um objeto, um rádio a ser ligado? Sinal de um rádio tomado como metáfora para transmissão, circuito, desarticulação, metamorfose, recepção, mutação. Radiofonia, domínio heterogêneo para além das concepções comuns da comunicação como mídia.

Um aparelho para colocar algum código pode também tornar-se um aparelho para decodificar mensagens... palavras guardam real significado na musica de cada voz, impressão sonora única, sinal marcado no tempo também enfronhado por escolhas pessoais. Estas, amordaçam o espaço nos objetos trajetos de uma vida inteira, transmitindo silencio ruidoso como naquele arranjo em cima da mesa, uma natureza morta – still life – interrompida por esta voz que insiste em existir...still, parada...still, ainda...
Ouvimos bibb do rádio relógio determinando os segundos, estes mesmos instantes subdivididos pelo tac tac do metrônomo. Mas este ritmo fechado em espaços precisos escapa de sua homogeneidade quando a voz de Eva, impõe seu próprio tempo, nos envolvendo em ressonâncias da memória. Aquela outra voz, repetindo as frases de Eva, se esforçando, obediente, para acompanhar o tempo preciso, é a voz radiofônica.
Perdida no trânsito das válvulas, objetos do cotidiano que também se esvaem na presença de substituições corpóreas (novas tecnologias?) já sugeridas naquele outro aparato nomeado ipod. Na tela deste pequeno ipod, enxergamos a areia caindo na ampulheta. O tempo escorre como sombra porque, embora lento, nossos olhos não conseguem distinguir cada grão de areia precipitado. Um milésimo de segundo? você ouve isso?
A primeira rádio, tocando o tempo aonde seu grau zero é aquela voz. A voz que irrompe “como espião” e transforma a homogeneidade do tempo, este que está sendo medido pela ampulheta, lançando seu próprio pulsar naquela sala verde onde o belo e grande relógio está parado. Ali, sempre será oito horas da noite...ela diria: “...ah! isso foi a vida inteira...”
Evasão... sonhar uma língua que decodifique este congelamento do espaço de uma casa-museu, captando outras mensagens naquela voz que ainda respira a natureza presente, escapando do cronômetro inaudível de um tempo que nos engole.

P.S. - e toda vez que alguém pergunta " isso é radio?" esta escuta ensurdece.

créditos:
um trabalho de Lilian Zaremba
áudios com frases faladas por Eva Klabin e repetidas por locutora, sob som constante de bibps da Radio Relógio e Metronomo, ecoados na Sala Verde (do museu) onde também se coloca sobre a papeleira uma "natura morta" composta por alto falante, válvulas de rádio transmissão e ipod com filme e trilha.
ficha técnica:
fotografia e filmagem : Lucia Helena Zaremba
edição do filme em ipod : Franscisco Cid Guimarães
iluminação : Fernando Sant' Anna
voz e supervisão de edição sonora: Adriana Ribeiro
editor de som : Alexandre Meu Rei (ECOSOM)
agradecimentos: Toni Godoy, Irene Peixoto, Alcimar Ferreira, Álvaro Barata